O quarto fechado e escuro. A máquina de escrever esperando uma crônica e os livros na estante aguardando um leitor. A noite é fria e sileciosa, como o dia é quente e barulhento, e a inspiração surge com isso. O espelho refletindo o verdadeiro "eu", que antes só conseguia ver no reflexo de um riacho límpido. O palhaço pendurado na porta, o ventilador que na noite não tem uso, as gavetas bagunçadas, o arco e flecha junto a parede e o carpete no chão me conduzem na expectativa de fazer uma grande crônica. Mas, como dizia o cronista: "Eu queria apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano."
Já amanhece e eu vou cada vez mais adiando o momento de escrever; talvez a inspiração não esteja fluindo em minha mente nesse exato momento ou seja pura preguiça minha ao ver a máquina em cima da mesa aguardando dedos e pensamentos para tocá-la. Não há nada para fazer em casa que eu já não fiz. O sol lá fora e a brisa de verão já são motivos suficientes para não ficar dentro dela. O mundo aguarda pessoas e as pessoas aguardam do mundo uma vida melhor. O vento sacudindo os cabelos e os olhos se enchendo de lágrimas ao ver tão exuberante beleza se deteriorando com o passar dos anos. Sentar no banco da praça, talvez, seja uma das coisas mais sensatas a fazer. Enquanto meus pensamentos voam, os objetos da realidade, o mundo real, se dispersa ao meu redor e, a cada ato, cada passo deste mundo (de que eu sou apenas um telespectador) merece uma crônica.
As obras fictícias que certos homens incluem em nossas vidas servem como base para alguns garotos; um exemplo disto é um menino que se encontra quase ao lado do banco em que estou sentado. Ele não tem nada de especial que algum outro garoto de sua idade não possa fazer, mas o que me chamou a atenção foi o modo que lidava com seu brinquedo. Um boneco do Rambo em que ele expressava o seu pensamento sobre o mundo. Era tiro para um lado, foguete para o outro, gritos de socorro e de coragem; às vezes atirava o boneco longe e gritava:
- Fui ferido, fui ferido!
A coragem de um outro bonequinho para ir salvar o boneco ferido e, depois de tudo resolvido, o garoto se abria em um sorriso. O mundo seria bem melhor se fosse igual àquele sorriso. O carinho e o afeto com que ele segurava o brinquedinho me causava um sentimento de profundo entusiasmo com a vida. De repente, ele saca um revólver de brinquedo e, imaginavelmente, atira em todos que passam por ali naquele momento. Com um movimento brusco, ele vira e aponta para mim, fica me olhando fundo por um certo tempo e depois abaixa a cabeça e, em seguida, a mão. Um mérito sentimento me faz lembrar os tempos de solidão que os homens tinham em que a ponta de um revólver era mais seguro que uma simples palavra (apesar de atualmente , isto não ter mudado). O mais bem guardado segredo do homem é o amor.
A noite começa a cair, e as pessoas da praça vão se aglomerando em outras partes da cidade, mas o pequeno garoto continua brincando com seu boneco, mas acontece que há algum tempo eu notei que ele começou a me olhar mais frequentemente e já não brinca com aquele boneco com tanto entusiasmo como antes. Uma figura humana adulta chega junto ao garoto, ele recolhe os brinquedos e segue aquela mulher alta de cabelos mais ou menos longos e que deveria ser sua mãe. E eles somem ao virar a primeiro esquina.
Eu, como resultado desta experiência, até pensei em fazer uma crônica com estes temas, mas não saberia o que dizer; eu só lembrava do sorriso do garoto e não iria conseguir descrever isto como realmente foi. Estava me preparando para ir embora quando a figura humana infantil vem correndo ao meu encontro e, entregando o Rambo às minhas mãos diz apenas:
- É! Talvez não valha a pena. - e sai correndo deixando o brinquedo comigo.
É! Talvez não valha mesmo.
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Essa crônica foi escrita em 1990. Enviei ela para um concurso nacional de literatura e foi escolhida entre as 50 crônicas a serem publicadas. Tenho o livro onde ela está até hoje! :)
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